você é um garoto bom, vivendo em um mundo mal, você ainda se surpreende com as coisas enquanto todos os outros já não vêem surpresa em nada, porque pra eles tudo se tornou tão banal.
você é um garoto do interior vivendo em uma grande cidade, os seus olhos não enxergam o que os outros vêem da mesma forma que os olhos dos outros não vêem o que você vê.. eles vêem trens, metros e carros.. poluição. você vê as flores escondidas pelas grandes construções, você vê um mendigo lendo um jornal, você vê uma velinha precisando de ajuda para atravessar.
você é uma imensidão de amor quando falta amor nos outros. você viu uma menina, uma menina boa como você e você se aproximou dela, vocês conversaram por uma tarde inteira e mais alguns dias depois.. você deve ter falado algo que ela interpretou mal, pois ela sumiu de um dia pro outro e nem adianta tentar o telefone, ela não atende, e nem adianta tentar o endereço, ela se mudou, e nem adianta esperar horas no lugar que vocês se conheceram, ele sempre parece estar vazio.
você é um menino que se machucou muitas vezes e nem por isso recuou. seus pais te ensinaram a ler, e você logo que aprendeu quis conhecer o mundo, o que você não sabia era que o mundo não se faz conhecer, ele te conhece. você largou a escola cedo e decidiu conhecer o mar, você chegou ele estava la, você se banhou ele estava lá, você foi embora ele continuo lá.. é ele sempre esteve lá.
você decidiu que deveria largar mão das coisas que não deram certo e tentar concertar as que você errou. você voltou em casa, pediu desculpas para seus pais, jantou. recomeçou a escola, terminou. conheceu uma moça que não tinha vida, vocês se casaram ela nada falou além do sim. você gostava dela, ela gostava de você e isso era só. vocês dormiram, e acordaram, e se beijaram e você não via nela mais que uma irmã. mais vocês precisavam ter um filho, construir uma casa e trabalhar. e você fez isso tudo, você fez um filho, você construiu uma casa, e um emprego.. você venceu. e ela estava lá, sempre quieta e sempre concordando. sempre boa moça, sempre cuidando dos filhos, sempre arrumando a casa, sempre lhe sendo ultil.
até que um dia..
você teve que ir a cidade, comprar um presente para seu filho. você entrou na loja, você pegou o brinquedo e você foi pagar. mais a vida, a vida não é tão previsível quanto você achou.
e você viu. lá estava ela, os cabelos soltos, os olhos castanhos e cheios de vida, o batom vermelho e o sorriso envergonhado.
e você lembrou.
você a entregou o presente, ela cobrou o valor, você lhe deu o dinheiro, ela devolveu o troco e o pacote, você olhou pra ela, ela sorriu de maneira que seus olhos ficassem pequenos, você sorriu de volta. ambos ficaram quietos, ambos se olharam e ambos sabiam.
você virou e saiu andando, ela ficou parada olhando. você abriu a porta e saiu. ela saiu de trás do balcão e foi até o vidro ver. você entrou no carro, bateu a porta, ligou, e começou a dirigir.
ela saiu da loja, trancou a porta, pegou um onibus e seguiu.
você chegou em casa, entregou o presente, beijou seu filho, fez o mesmo em sua mulher.
você foi sair para pensar, e quando viu estava no lugar onde vocês se viram a primeira vez.
você olhou pro lado, ela estava lá.
ela olhou pro lado, você estava lá.
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